O paraíso por trás do nº 370

by - junho 23, 2019




Único lar de repouso curitibano exclusivo para mulheres faz a diferença na comunidade do Xaxim

“Vim para esse paraíso por opção”. O paraíso ao qual a dona Maria Luísa, 75 anos, se refere é a casa para idosas Lar Iracy Dantas de Andrade, localizada no Xaxim. Com o intuito de formar um refúgio para que mulheres consigam ter uma velhice com qualidade, o Lar Iracy tem como proposta ser um local de repouso diferenciado, traduzindo de modo singelo e eficaz o conceito de envelhecer com dignidade.


Idealizado em 1982, o lar passou por 11 anos de luta para sair do papel. A casa está em pleno funcionamento desde 1995 e atua com idosas acima de 60 anos.  Esta é, aliás, a proposta do lugar: acolher apenas mulheres. “A iniciativa de construir uma instituição destinada somente a mulheres se deu após verificarmos que a demanda de idosas era maior que o número de idosos”, explica Lis Morais da Silva, gerente administrativa. “A ideia surgiu através das visitas que um grupo de senhoras realizava nas casas onde se encontravam pessoas doentes ou idosas. Essas mesmas senhoras fundaram a instituição”.

Passando em frente ao portão marrom do número 370, é quase impossível imaginar as maravilhas que acontecem lá com as 28 residentes. Tempo ocioso não existe e os dias são sempre preenchidos com lanches coletivos, bingos e mimos como manicure, pedicure e músicas ao vivo aos domingos à tarde. Além de toda a programação diferenciada, a casa conta com plantão médico 24 horas, tratamento psicológico e exercícios que estimulam o corpo e a mente das residentes. Outro ponto a ser considerado é o constante zelo com as pacientes. “O lar se destaca no cuidado porque respeitamos e valorizamos cada pessoa. Cada uma tem sua história de vida, suas próprias manias e seu jeito de ser”, conta Lis.


Os familiares sentem que fizeram um bom negócio e não enxergam a instituição como um asilo, indo contra a maré do senso comum. “Minha mãe é muito bem tratada. Não acho que abandonei ela, pelo contrário. Com ela aqui, sei que seu desenvolvimento é melhor do que em casa. Mesmo com Alzheimer, aqui ela fica com a mente ativa e eu sinto que a doença dela acaba nem tendo tanta força graças ao tratamento que ela recebe”, explica Luzineire, filha de dona Francisca, residente há dois anos.

EMPODERAMENTO E AUTO CUIDADO ATÉ NA VELHICE

A casa procura proporcionar autonomia e inspirar sentimento de segurança e liderança até onde for possível. Isto se reflete, inclusive, no número de residentes que entram na fila de espera por opção própria. Como o caso da Maria Luísa, que define seu paraíso com carinho. “Estou aqui há sete anos e eu gosto porque como eu não tenho nem pai e nem mãe, não tem porque passar meus dias sozinha”, explica.

Dona Maria foi enfermeira durante 33 anos e após cuidar tanto dos outros, decidiu que estava na hora de ser cuidada. “Quando eu me aposentei, passei a escritura da minha casa para o meu sobrinho, dei a minha aposentadoria para a minha irmã e fui buscar um lugar pra envelhecer em paz”, conta. “Meu pai adoeceu, e eu cuidei dele até morrer. Depois cuidei da minha mãe. Quando não sobrou mais ninguém pra cuidar decidi que estava na hora de descansar. Quando me perguntam porque eu estou aqui, tenho orgulho de dizer que é porque eu quero, ninguém me obrigou”.

A despeito de todas as limitações que o processo de envelhecimento traz, a casa de repouso se esforça em tornar a vida de quem ali habita o mais leve possível, bem como proporcionar uma independência para as residentes. “Aqui somos duas por quarto, eu sou com a dona Sebastiana”, explica Maria.
A liberdade também é outro fator de empoderamento no Lar Iracy. As senhoras podem passar finais de semana fora, na casa dos familiares, por exemplo. Passeios são realizados com regularidade e é permitido o uso de objetos pessoais. Dona Sebastiana, 77 anos, exalta sua independência e não sai de perto do seu celular. Lúcida, explica o porquê: “levo ele comigo porque assim me comunico com outras pessoas. Também tenho meus jogos, troco minhas mensagens, tudo pelo celular”. Nascida na Paraíba, ela também foi para o Lar Iracy por opção própria. “Aqui eu convivo com outras pessoas e nunca fico sozinha. Quando quero algo inusitado peço para alguém, mas quase nunca precisa porque aqui tem tudo”.

TRABALHO POR AMOR

A qualidade da casa e o que a faz ser referência no cuidado com idosas em Curitiba passa também pela dedicação dos profissionais. “Aqui eu não trabalho só pelo dinheiro. Eu trabalho por amor e gosto do que eu faço”, conta Rosana, cuidadora que está no Lar há quatro meses. Com 15 anos de experiência assistindo a idosos, Rosana enxerga só benefícios para as pacientes no dia a dia da rotina. “A diferença não está só por sermos do mesmo sexo, mas sim no cuidado, na afinidade com as residentes. Tudo isso influencia de forma muito positiva no nosso trabalho”, explica. “Embora minha dedicação seja a mesma em todos os lugares pelos quais passei, é diferente trabalhar em um lugar só com mulheres. Para nós, é uma experiência positiva porque a comunicação flui melhor bem como a interação e a liberdade entre a gente”.  

DESAFIOS

Com toda estrutura preparada para recepcionar apenas 28 residentes, a fila de espera preocupa aqueles que ainda não conseguiram uma vaga. Ademario ficou com sua mãe na fila por mais de um ano e outras treze pessoas seguem no aguardo. “Aqui só surge vaga quando alguém falece”, explica Ademario. Fora isso, ainda existe o fator de subsistência do local. O Lar Iracy não conta com apoio governamental, algo que torna o funcionamento cem por cento dependente de ajuda de patrocinadores e doações da comunidade.

A instituição possui residência fixa no bairro Xaxim, em Curitiba (pra quem mora perto e quiser ajudar). Há coordenadoras que buscam as doações, mas estas podem ser feitas também direto no local. “Alimentos são sempre bem-vindos, mas toda e qualquer ajuda é válida”, conclui Lis. 

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